E se pensarmos o cinema atuando não de forma direta, com filmes com objetivos políticos evidentes, como vimos nas postagens anteriores, mas como uma forma de difundir modos de pensar, usos, costumes, moda, comportamento sexual, padrões de beleza específicos aliados à propaganda e ao consumo?
Aí entramos em uma discussão fascinante que tem a ver com os conceitos de star-system (sistema do estrelato) e studio-system (sistema de estúdios) conforme foram desenvolvidos por Edgar Morin no livro As Estrelas de Cinema. No sistema de estrelato e no sistema de estúdio, desenvolvido pelos estúdios de Hollywood a partir da década de 1930, as estrelas de cinema (homens ou mulheres) são produzidos para atender aos desejos mais profundos e, segundo Morin, mais recalcados dos espectadores. Criando tipos que se repetem filme após filme (boa esposa, mulher má e sedutora, homem protetor e heróico, vilão, amiga da mocinha, amigo do mocinho etc etc), este sistema nos lembra o tempo todo que a estrela de cinema é ao mesmo tempo imaterial e real, pois produz comportamentos e expectativas – e consumo – nas massas que têm no cinema o seu mais importante lazer, especialmente nas décadas de 1940 e 1950.
Escrevi bastante sobre isso no meu livro Poeira de Estrelas, que saiu pela Editora da Unicamp – pra quem tiver curiosidade de ver.
Nesta postagem, queria abordar a idéia de um cinema de sonho e fantasia, de exagero e romantismo exacerbado: o cinema explorado pelo gênero dos musicais.
Se a questão é falar de exagero...basta olhar as cenas dos filmes de Esther Williams, que fazia suas performances...nadando! Hoje as cenas e os cenários nos parecem risíveis, mas elas são a marca do exagero quase carnavalesco que habitou o imaginário naquele momento. O conjunto de cenas foi tirado de um documentário chamado That´s Entertainment, que na década de 1970 celebrou o cinema hollywoodiano clássico. Aguentem até o fim!
http://www.youtube.com/watch?v=9jUjhrDhFuM
Mas vamos falar de boa música e de boa dança?
Deixo aqui para vocês algumas cenas que considero fantásticas, espero que vocês assistam a todas:
Começo por um classicão, o cantor e dançarino Fred Astaire – que tinha um estilo todo sofisticado e gentleman de se vestir, cantar e dançar. Sua parceira mais famosa foi a loira Ginger Rogers...aqui eles dançam Night and Day, belíssima canção de Cole Porter, do filme A Alegre Divorciada (The Gay Divorcee, de 1934).
Estamos na Grande Depressão...e ainda falando em divórcio? Vejam que bonito.
http://www.youtube.com/watch?v=YV5e7mWcQJE
Já nesta cena Fred Astaire dança Puttin´ on the Ritz (canção linda de 1929 que ele dança aqui no filme Blue Skies de 1946 – esqueci como traduziram este filme pro português, alguém sabe?)
http://www.youtube.com/watch?v=ibVLswVdStw&feature=related
Ainda dele, a famosa cena de uma dança pelo teto em Núpcias Reais (Royal Wedding, 1951). Eu era criança a primeira vez que assisti, pois passava na TV de tarde, e fiquei extasiada e, adivinhem...estamos em 2011 e ainda dá para a gente ficar imaginando como a cena foi feita...
http://www.youtube.com/watch?v=Y8n7WQIXQDs
E com a dançarina das pernas mais longas do cinema, Cyd Charisse, em The Band Wagon (1953), em uma dança mais “sexy” e em uma mais romântica.
Reparem que a forma como o corpo dos casais se entrelaçavam era uma espécie de balé erótico, que fascinava as platéias que dava asas a imaginar aquilo que a censura não permitia representar (afinal, estava em vigor o Código Hays de censura).
http://www.youtube.com/watch?v=yuJxYmJlEHY
e
http://www.youtube.com/watch?v=duLFwcsc6Nc&feature=related
Reparem também que este pessoal que faz curso de dança de salão e atormenta as festas de casamento alheias não sabe nada da vida...
Continuando: quero também falar do meu ator-dançarino preferido, Gene Kelly.
Esta cena vocês já devem ter assistido alguma vez, mas picadinha, espremida em algum especial sobre cinema. Vale a pena assisti-la toda. É de Cantando na Chuva (Singin´in the Rain, de 1952), um filme fantástico sobre a história da passagem do cinema mudo para o cinema falado (é, Hollywood é muito auto-referenciada e adora falar de si mesma)
http://www.youtube.com/watch?v=rmCpOKtN8ME
Gene Kelly em Dançando nas Nuvens, de 1955 (It´s Always Fair Weather)....Notem, em contraponto ao estilo de Astaire, que Gene Kelly dança de um jeito mais divertido e mais viril, uma dança menos sofisticada e mais baseada em equilíbrio e força física.
http://www.youtube.com/watch?v=Aus1PA5-SyI&feature=fvsr
E num dueto com o excelente e subestimado Donald O´Connor na canção "Moses Supposes", também de Cantando na Chuva, quando têm que aprender a falar com dicção, já que o cinema tornara-se sonoro.
http://www.youtube.com/watch?v=tciT9bmCMq8
Aliás, vejam um número solo de Donald O´Connor no mesmo filme (nesta eu quero que vocês reparem que o pessoal que faz dança de rua também sabe nada da vida....)
http://www.youtube.com/watch?v=FW02c5UNGl0
Quero me despedir de vocês com essa. Reparem a suavidade com que Fred e Ginger dançam a Smoke Gets in your Eyes, que dá nome a nosso blog. É do filme Roberta, de 1935.
http://www.youtube.com/watch?v=OMOBdQykKQY
Em tempo! Fellini fez um belíssimo filme referindo-se ao casal Fred Astaire e Ginger Rogers, interpretados respectivamente pelos grandes atores Marcelo Mastroiani e Giuletta Masina.O filme chama-se Ginger e Fred (1986) e mostra a decadência daquele cinema ( e romantismo) sendo predados pela TV. Vale muitíssimo a pena, mas para sentir, tem que assistir uns belos musicais hollywoodianos antes - ou pelo menos os trechos que trouxe aqui pra vocês...
Até.