Continuando...
E em que tipo de cinema pensava Walter Benjamin, como contraponto ao cinema da estética nazista ou o cinema de entretenimento de massas de um Chaplin ou de um camundongo Mickey, quando finaliza seu texto apontando para um cinema com capacidade de transformação social e política? Seguramente, referia-se ao cinema soviético como o de Serguei Eisenstein (1898-1948), que realizou filmes de grande impacto estético tais como A Greve (1924), O Encouraçado Potemkin (1925) ou Outubro (1928).
Falamos assim de um cinema que ficou conhecido na clássica história do cinema como cinema construtivista, no qual imperava a técnica da montagem, feita a partir de diferentes planos, focos e sentidos. Há muitos expoentes deste cinema, que se alinhava à revolução estética russa das primeiras décadas do século XX, sendo os mais conhecidos Dziga Vertov (1896-1954) e o próprio Eisenstein. Vertov fundou o movimento cine-olho e a revista Kino-Pravda (cinema-verdade) mostrando que a imagem era fabricada, criada pela interferência do diretor, dos técnicos, da iluminação etc. A imagem não era, assim, a documentação de uma realidade única. Eisenstein defendia o mesmo ponto de vista.
Permitam-me um parágrafo sobre o conceito de montagem tal qual Eisenstein o concebeu: para ele, os planos funcionavam como unidades autônomas, como “células” que, uma vez animadas por um princípio, passam a ter efeitos sobre o espectador, como se fossem choques. Eisenstein havia trabalhado com teatro e tinha um fascínio especial pelo teatro oriental kabuki, assim como pela poesia haiku (os haikais, poesias de três linhas). Em um de seus textos sobre cinema, Eisenstein dá o exemplo do seguinte haikai:
Um corvo solitário
sobre um galho desfolhado
numa noite outonal
e sobre isso comenta que cada frase do poema pode ser considerada em si uma “atração” (como se fosse uma atração de circo), e que a combinação das frases equivale à montagem. Cada verso colide com o próximo, e o efeito unificado quem realiza é a mente. Por isso, por exemplo, no filme A Greve, Eisenstein justapõe imagens como o rosto de um homem, uma raposa, uma multidão, um touro sendo morto. Parece não fazer sentido, mas cada imagem produz um forte estímulo e a mente cria as ligações.
[para quem quiser saber mais sobre o assunto, recomendo ler o próprio Einsenstein A forma do filme, Jorge Zahar, 2002; ou algum estudo sobre ele, como Eisenstein e O Construtivismo Russo de François Albera (Cosac & Naify, 2002]
Voltando ao nosso assunto: deixo aqui uma cena célebre (talvez a mais célebre) do filme Encouraçado Potemkin. Sugiro que vocês assistam e só depois leiam a continuação do post.
http://www.youtube.com/watch?v=LDKKN-KILIY
Vamos lá: O Encouraçado Potemkin foi realizado para comemorar os 20 anos do levante de 1905, precursor da revolução de 1917. O filme, dividido em cinco partes, narra o motim ou revolta da tripulação do navio Potemkin no porto de Odessa. A população apóia a revolta e é massacrada pelas tropas czaristas (a parte que vocês assistiram). O processo é visto como a semente da revolução bolchevique; não há heróis individuais, mas tipos com rostos marcantes, que não eram artistas profissionais.
Observem que no trecho assistido (conhecido como a escadaria de Odessa), a mesma ação é repetida várias vezes, o que aumenta a sua intensidade. A sombra opressora das pernas e botas dos soldados czaristas se estendem pelos degraus; as faces aterrorizadas da mãe do bebê e da velha que tem o olho atingido pela bala são imagens de horror, que ficam associadas ao regime czarista. Assistam mais uma vez a seqüência para observá-la agora após estes comentários.
5 comentários:
A seqüência foi reapropriada/homenageada várias vezes na história do cinema. Lembram-se quando comentamos que os quadros citam uns aos outros? O mesmo ocorre nesta conversa interna entre os filmes. Procurem e se encontrarem, postem por aqui: a escadaria aparece em Correspondente Estrangeiro de Hitchcock (1940); em Brazil de Terry Gilliam (1985); e em Os Intocáveis, dirigido por Brian de Palma (1987).
Até a próxima postagem. Comentem ou meu coraçãozinho vai ficar partido. :P
Achei um vídeo com as cenas comentadas e algumas outras.
http://www.youtube.com/watch?v=yH1tO2D3LCI
É interessante pensar na apropriação dessas cenas por outros filmes e como isso, posto em outros contextos, ganha conotações completamente diferentes. Como a cena é feita (sob ângulos diferentes do original, ou com outra trilha sonora, ou dando ênfase a outros tipos de personagens) afeta a impressão que se tem sobre ela. [Acho que Sergei nunca imaginou que um dia teria um cara dançando no meio do tiroteio da escadaria de Odessa.] E, em vários momentos, o original é esquecido pela grande massa e fica na lembrança somente as homenagens.
Professora, essa ideia construtivista tem alguma relação com o efeito Kuleshov?
Gilberto: muito bem lembrado! Kuleshov foi professor de Eisenstein, ou seja, ele conhecia o que chamamos de "efeito Kuleshov", experimentos em montagem que justapunham sempre a mesma imagem de um ator a imagens diferentes, de modo que os espectadores tinham a impressão que a expressão do ator mudava conforme o que se mostrava (um prato de sopa, uma criança em um caixão, uma mulher reclinada languidamente em um sofá). E Eisenstein conhecia muito bem a teoria dos reflexos condicionados de seu famoso conterrâneo Pavlov (lembram disso? o cão salivava não apenas ao ver a comida, mas ao receber algum estímulo que a ela se associava, como ouvir uma sineta ou os passos da pessoa que vinha alimentá-lo). Dito tudo isso, observe que a montagem em Eisenstein se realizava por meio de choques e colisões de imagens, o que é ligeiramente diferente do que observamos em Kuleshov.
Oi pessoal
Abaixo a cena da escadaria do filme os Intocáveis, sugerido pela Prof.
http://www.youtube.com/watch?v=uyCVzoLVGUc
Postar um comentário